Toda a gente fala, comenta, supõe, cogita, sobre a Joana. Ninguém gosta de ter de assumir que no mundo acontecem coisas feias, daquelas obscenas, estas sim, impróprias para contar a crianças. O mal e as crianças são realidades que aprendemos opostas, desligadas. E todo o pai ou mãe tem como normal prioridade manter a distância máxima entre estes dois.”Que nada de mal aconteça ao meu menino…””Ao menino e ao borracho….”Desta vez não se completou bem o provérbio. O mal aconteceu à menina e foi em casa. Não estava sozinha, não foi vítima de um cruel desconhecido. Tudo, o horror, a violência desajustada e desmedida, o mesquinho motivo do “ataque” e da infeliz consequência irreversível, tudo aconteceu em casa, onde devia existir protecção, carinho incondicional e modelos de atitudes, uma vez que falamos de mãe, tio, adultos e de uma criança, houve afinal luta, agressão e morte. Não queremos acreditar. Foi a mãe? E não foi contrariada? Foi o tio? E a mãe, limitou-se a assistir? Tudo piora em grau quando pensamos que ambos podem ter atacado a Joana, quando pensamos que ambos se motivaram como se houvesse motivo suficiente, quando pensamos que Joana terá achado que o mundo dos adultos afinal devia ser todo assim, já que ninguém agiu em sua defesa. Fico triste pela Joana que poderia vir a ser tanta coisa quando crescesse e que afinal fica na história como uma criança que era triste. Quem o não seria, num ambiente assim? Sem o que a vida tem de gratuitamente belo: os beijos, os carinhos, a segurança de um abraço, que é o que nos dá a coragem para enfrentar os lobos maus, que os há, que nos aparecem no caminho. Mas não gostava ou desejava para a Joana uma vida que a continuasse a fazer triste: Joana viveu com os lobos em casa, o medo deve tê-lo conhecido toda a vida, e sozinha conseguiu sobreviver-lhe oito anos. Era por certo uma menina valente. Mas a triste história da Joana, ouvida, descrita, fotografada, filmada chegou a toda a parte. Os pequeninos também a ouviram. E mesmo sem sórdidos pormenores, estes perguntam-se muita coisa e questionam os que lhes estão próximos: Foi a mãe que lhe fez mal? Que tão grande asneira fez a menina? As mães são assim? E é triste ter de confessar que coisas destas acontecem perto de casa, por gente que nunca olharíamos segunda vez na rua, tal a normalidade que aparentam, Acontecem enormidades, o mundo não é um lugar muito seguro para se ser humano, quanto mais criança. E quando se diz isto, amenizado, disfarçado que seja, a uma criança estamos a dar-lhe uma notícia muito má, uma desilusão precoce, uma tristeza que é grande de mais para o seu pequeno corpo. E a tristeza é das coisas mais pesadas que há. Esta tristeza apaga a nossa sede de futuro, atrofia os sonhos, desfaz planos, mina o dia à dia. Sozinhos e sem uma mão que nos ampare, fica mais difícil sonhar. Esta desilusão com os grandes, que agora temos de contar aos nossos filhos, a Joana viveu-a na pele, continuadamente. Morreu uma menina triste. Um país revolta-se, reclama, reage, refila, grita e chora, mas as lágrimas da menina ninguém soube adivinhar, ou estancar ou impedir que caíssem. Com a menina triste há uma parte da nossa fé nos outros (pais e país) que morre de tristeza.
|