Wednesday, July 20, 2005

outro texto: Amores

Todas as histórias de amor se assemelham, mas não há duas repetidas, absolutamente gémeas ou idênticas. Um pouco como as receitas culinárias. Os ingredientes até podem repetir-se, mas as doses e o calor envolvido fazem a diferença entre o ovo escalfado e o ovo cozido; entre a carne com batatas fritas e o empadão de carne!!!
Toma-se a felicidade por meta. Príncipes e princesas, no amor, todos queremos ser, únicos, especiais e escolhidos é o que desejamos ser no olhar do outro. Por mais republicanos que sejamos de educação e geração, no amor a monarquia ainda vigora, e o sentimento deve ser absoluto.
Um dia os heróis encontram-se e a partir daí a construção do caminho é variada, moldada ao gosto de cada um, com curvas e desvios irrepetíveis, à força da vontade do Destino ou do jogo da vontade desses tão humanos dois. Por isso os mil romances que contam uma mesma história de cambiantes infinitos: uma longa busca, uma longa espera, um longo encontro, ou reencontro de personagens da realeza, pertencentes a essa superior estirpe: os amorosos, apaixonados, capazes de destemidas façanhas, superiores actos de coragem, convictos do valor que os move e os fortalece.
Dantes a princesa aguardava sossegada a chegada do príncipe, que a resgatava de um sono prolongado com um beijo ternurento. O dragão que guardava o castelo fora morto, a maldição quebrada, há de novo vida e futuro para o Reino. Uma luta e um beijo bastaram para repor a ordem, trazer uma pobre enfeitiçada de volta ao estado de vigília, e assim conquistar uma mulher, e assegurar o seu lugar e futuro.
Recordo as histórias que nos ensinaram as linhas do amor desde a tenra infância, mas na realidade chego à conclusão que a realeza daqueles tempos, que tomamos como exemplo, agora já não é exemplo para ninguém: a princesa não tem a iniciativa e não exerce o seu poder de escolha activa; o príncipe actua violentamente e parece que a propensão para a luta e ferocidade foram os únicos argumentos a seu favor.
Tudo mudou. Não se tratada de exigir mais, mas diferente.
Hoje em dia a princesa escolhe, o príncipe tem que saber fazer bem mais do que lutar e beijar, e não é fácil a conquista, nem o relacionamento recebe tão entusiasmante prognóstico, como então. Shrek mostra-nos esta evolução da mentalidade, do comportamento, da importância dada às razões do coração. Nesta nova história há menos certezas, as coisas não se apresentam como definitivas, põe-se em causa muito do estabelecido e maioritariamente aceite e a diferença, o individuo, o valor essencial, por oposição a títulos e indicadores de estatuto, ganham agora voz. Neste mundo impera o ambiente de revolução, de contra-ataque, de reconstrução de um mundo alternativo a esse outro tão seguro, mas por certo pouco democrático e pouco dado a valorizar o diferente.. Há nesta história em bonecos uma resposta ao maravilhoso clássico da minha infância. Uma resposta que será a história que embala as meninas e meninos de hoje. Updated. É uma história para o século XXI, moderna. E tal modernismo repele o autoritarismo: O Destino contrariou a escolha dos reis e o poder da fada invejosa: o príncipe nomeado não chegou a tempo de salvar a princesa; também se condena a passividade do individuo, é dada a Fiona a escolha do seu futuro(A Beleza e o marido);Ainda que sem títulos, o Ogre nunca desiste de ser quem é não se fica e grande poder reflexivo, reivindicativo e educativo é dado a um burro, a quem sobejam qualidades que desde logo nos fazem questionar a imagem que gravamos com o Pinóquio da Disney, onde a metamorfose de menino a burro era usada no seu sentido mais literal e tenebroso. Aqui o burro parece ter a escola toda, e na amizade com o ogre a todos dá uma lição.
Há coisas que nunca mudam, outras que mudam pouco, mas algumas mudam muito, lentamente. Sempre houve heróis, nos contos de fadas, príncipes e princesas, castelos e dragões. E com estas histórias e seres aprendemos o que queremos vir a ser, o que devemos desejar, dão-nos tinta para colorir os sonhos, modelos disfarçados de diversão . E com o passar do tempo a revolução acabou por chegar ao reino do maravilhoso: o Ogre verde salva a princesa antes do príncipe e forma-se um improvável casal. Demasiado para os conservadores reis e pais de Fiona, que imaginaram algo diferente, mas todos no final fazem parte da mudança, e adoptam a diferença como valor, merecedor da diferença e não do desprezo ou escárnio. O Ogre é verde, mas fica-lhe bem. No final Shrek tem nome próprio, ao contrário dos príncipes das velhas histórias, de quem apenas restava o título na memória.E ao contrário da tradição é ele "a cabeça de cartaz".

nana 20 Junho 2005

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